segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Resumão das férias na Índia – Parte 3: Fatehpur Sikri, Agra e Vrindavan

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Fatehpur Sikri

Chegamos a Agra numa sexta-feira, dia em que o Taj Mahal está fechado para visitação. Então combinamos com o motorista do hotel que nos buscou na estação de trem que ele passaria o dia conosco e nos mostraria outras atrações.

Nossa primeira parada foi Fatehpur Sikri, construída em 1570 pelo imperador Akbar para ser a nova capital do império. O monarca aproveitou a empreitada para homenagear o santo sufi Salim Chishti, que lhe abençoaria com um herdeiro. Akbar não conseguia ter filhos e partiu para o vilarejo de Sikri em busca de uma ajuda mística. Parece que deu certo e ele teve três herdeiros. Foi só quando pesquisei para escrever esse relato que descobri que esse é um dos motivos pelos quais muitos casais indianos sem filhos visitam o lugar anualmente.

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Chegando lá, nos ofereceram um guia supostamente licenciado pelo governo. Topamos contratar o acompanhante com a condição de que queríamos ficar à vontade e conhecer as atrações no nosso ritmo. No final das contas, acho que não tivemos sorte porque não gostamos de nenhum guia que contratamos na Índia. Normalmente eles tinham pressa de acabar a visita e falavam um inglês pouco compreensível. Das poucas perguntas que fiz, quase nenhuma foi respondida adequadamente e eu continuei na ignorância, ansiosa para entrar no Google mais tarde a fim de saciar minha curiosidade, rs!

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Fatehpur Sikri foi toda construída em arenito vermelho, material que podia ser trabalhado com uma certa agilidade e rapidez, fazendo com que a cidade fosse erguida num curto espaço de tempo para os padrões da época.

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Fatherpur Sikri foi utilizada como capital durante 14 anos. Apesar da incrível estrutura, o complexo de construções sofreu muito com as altas temperaturas e a escassez de água, o que o fez ser completamente abandonado, tornando-se uma cidade fantasma.

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Hoje em dia trata-se de um sítio arqueológico sem construções arruinadas e em 1986 foi tombada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Desde então, recebe a visita de milhares de turistas anualmente.

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O imperador Akbar se interessava muito por conhecer outras religiões na prática e por isso resolveu se casar com três mulheres de credos diferentes: hinduísmo, islamismo e catolicismo. Foi interessante notar que a decoração da casa de cada esposa refletia sua religião.

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Os tanques de água usados para abastecer a cidade receberam um tratamento artístico e pareciam piscinas, como vocês podem conferir na foto acima.

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Fatherpur Sikri tem 3km de comprimento por 1km de largura e entre suas construções havia joalheria, tribunal, mesquita, palácios, salas de audiência, pátios, jardins, cozinha e escola comunitárias.

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Os deslumbrantes entalhes decorativos e as pinturas que incrivelmente resistem à ação do tempo misturam os estilos hindu e islâmico. O trabalho minuncioso me encantou e é esse tipo de coisa que adoro fotografar e observar sem pressa.

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Detalhes entalhados na pedra dura que parecem mais apropriados à maciez da madeira

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O Hall da Audiência Privada (Diwan-i-Kas) foi a construção que mais me impressionou tanto por sua fachada quanto pelo seu belíssimo interior, onde se destaca o pilar da foto abaixo.

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Trata-se de uma estrutura de arenito com base quadrada e eixo octagonal, coberta por desenhos geométricos, florais e símbolos de diversas religiões.

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Essa menininha se aproximou da gente com um olhar curioso e eu perguntei se podia tirar uma foto dela, que logo tratou de fazer uma pose bem legal com direito à piscadinha de olho!

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A seguir, fomos visitar a mesquita, única construção do complexo que continua em funcionamento.

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A mesquita Jama Masjid de Fatherpur Sikri é uma das maiores da Índia e pode acomodar aproximadamente dez mil fiéis. Ela também abriga o túmulo do santo sufi Salim Chishti.

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O místico previu que o imperador Akbar teria descendentes e assim seu túmulo se tornou a atração principal para casais ansiosos por filhos.

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Visitamos a parte interna da mesquita depois do guia tentar nos convencer a fazer alguns pedidos para o tal “homem santo”. Antes de chegarmos lá, ele começou a contar essa história, perguntou se queríamos ter filhos e disse que visitaríamos o túmulo onde poderíamos fazer qualquer pedido. Só não poderíamos revelar a ninguém nossos desejos. Ele insistiu muito nisso e eu comecei a achar a coisa meio estranha…

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Túmulo de Salim Chishti

Depois ele pediu que nos sentássemos em frente a um voluntário ou funcionário da mesquita que iria nos explicar alguma coisa. Mais tarde, descobri que se tratava de um vendedor. Hummm, senti cheiro de armadilha pra turista no ar… O Marcelo fez o seguinte comentário sobre esse espisódio:

“Essa é uma clássica situação de armadilha que busca constranger o turista a abrir a carteira para alguma coisa. Eu não tenho muito problema com isso, digo “não” solenemente. No fim das contas era para comprar uns panos que seriam oferecidos a sei lá quem, que o Sarkozy (?!) tinha comprado quando esteve lá e blablablá. “Não, obrigado” é a minha resposta automática. Katia ainda emendou com uma historinha de que nossa religião não permite comprar coisas para oferecer (?!) e assim rechaçamos a armadilha. Não foi a última da viagem. Enfim, frustramos a turma”.

Eu não consigo dizer “não” com a mesma facilidade do Marcelo, então sempre procuro uma justificativa que evite contra-argumentação. Foi aí que surgiu a ideia de dizer que nossa religião não permitia fazer oferendas que envolvessem dinheiro. Eu disse que poderia oferecer algumas horas de trabalho voluntário, um prato de comida, uma carona, roupas, sapatos etc., mas deveria ser algo espontâneo e não poderia nunca haver dinheiro envolvido. Era mentira, claro, mas os caras pareceram (ou fingiram) acreditar e não nos ofereceram mais nada.

Antes disso, o rapaz nos mostrou alguns pedaços de tecido e uma foto do Sarkozy e da Carla Bruni dizendo que ela engravidou imediatamente após a visita ao túmulo do Salim Chishti. Ora, se não podemos contar a ninguém nossos pedidos, como é que eles sabem que a Carla Bruni pediu para engravidar? Chega a ser divertido observar os caras querendo nos convencer a comprar oferendas mostrando uma foto do casal. Ah, tem mais uma coisa: se você não quiser comprar o tecido nem as pétalas de rosa, seu pedido não tem valor nenhum e não será realizado.

Pesquisando para esse post, li o seguinte relato extraído do site SEGREDOS DE VIAGEM:

“Para fazer um pedido você precisa prestar três homenagens: amarrar uma fitinha vermelha na janela, cobrir a tumba com um tecido bonito, e jogar pétalas de rosas por cima. Tudo isso, obviamente, você consegue comprar dentro da própria mesquita, pois há diversos vendedores por lá. Eu comprei o tecido mais simples, mas eles vão tentar de tudo pra te vender o tecido mais rebuscado, alegando que as chances de conseguir o milagre será maior, rs”.

É verdade, nos disseram que quanto mais caro o tecido, maiores as chances do seu desejo ser realizado… Como dizia Jack Palance, apresentador do meu programa preferido nos anos 80, “Acredite se quiser”.

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Na saída da mesquita, esse grupo de simpáticos garotos pediu pra tirar uma foto com a gente.

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Retornamos a Agra e nosso motorista, Mr. Khan, nos deixou no Agra Fort/Forte Agra, um dos monumentos mais importantes da cidade. O calor estava no auge, devia estar beirando os 40 graus e havia poucos turistas na entrada da atração. Mesmo assim, tivemos que dispensar alguns guias que insistiam em ser contratados. Não me interpretem mal, tivemos guias maravilhosos tanto em excursões quanto em viagens por conta própria e eu gosto da ideia de estar acompanhada por alguém que pode responder às minhas perguntas e que conte uma história bacana sobre os lugares que visitamos, mas isso simplesmente não aconteceu na Índia. Sendo assim, a partir de um certo momento, a gente resolveu que só contrataria guia se isso fosse obrigatório.

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A construção do Agra Fort foi finalizada no ano de 1573. Apesar do nome, o complexo se assemelhava mais à uma cidade murada porque abrigava uma vasta gama de edifícios e espaços com diferentes funções como palácios, salões, varandas, torres de observação, mesquita etc.

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Amar Singh Gate

Construído em arenito vermelho, o mesmo material utilizado em Fatehpur Sikri, o Agra Fort sofreu influência de três imperadores. Na época de Akbar era apenas um centro militar, Jahangir o expandiu e Shah Jahan o finalizou.

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Jahangiri Mahal

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Detalhes impressionantes do interior do Jahangiri Mahal

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Detalhes impressionantes do interior do Jahangiri Mahal
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O Taj Mahal aparecendo na janelinha

Foi no Agra Fort que tivemos nosso primeiro contato, mesmo que à distância, com o imponente Taj Mahal na outra margem do Rio Yamuna.

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Taj Mahal visto do Agra Fort

Dizem que o imperador Shah Jahan, que ergueu o Taj Mahal, queria construir o seu próprio mausoléu em mármore negro e que este seria muito mais caro e deslumbrante. Posteriormente, o objetivo era uni-lo ao Taj por uma ponte de ouro. Essa ideia nunca saiu do papel e, após perder o poder, o imperador foi encarcerado no Agra Fort por um de seus filhos. A partir de seus alojamentos, ele contemplou sua obra prima até falecer.

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Jardim persa

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No Agra Fort também tive a oportunidade de fotografar umas moças simpáticas e sorridentes que cruzaram o nosso caminho!

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Nessa época (maio de 2014) vimos pouquíssimos turistas estrangeiros. A maioria esmagadora dos turistas que encontramos eram indianos que aproveitavam as férias coletivas para viajar pelo país.

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Depois de terminada a visita, nosso motorista nos levou ao “Baby Taj”, apelido do mausoléu Itimad Ud Daulah. Apesar de não ter a grandiosidade do Taj Mahal, a construção possui lindos detalhes trabalhados em mármore e recebeu essa alcunha por parecer uma miniatura da atração turística mais famosa do país.

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O que muita gente não sabe é que o pequeno mausoléu foi erguido antes do grandioso Taj Mahal, servindo de inspiração para sua construção.

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Os recursos estilísticos e ornamentais usados no Baby Taj eram novidade na Índia naquela época e determinaram as características mais proeminentes do Taj Mahal, como o revestimento em mármore branco e as incrustrações de pedras coloridas e outras semi-preciosas.

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Parte interna do “Baby Taj”

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Aqui também teve sessão de fotos com o pessoal local, claro!

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Vejam que sorrisos lindos e espontâneos! Tirando os guias locais, vendedores, motoristas e a “malandragem” em geral que tinha segundas intenções, fiquei impressionada com a simpatia gratuita do povo indiano!

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Depois de visitar o Baby Taj, seguimos para um parque chamado Mehab Bagh. É um lugar perfeito para fotografar o Taj Mahal de um ângulo menos conhecido e com pouca gente nos arredores. Nesse dia, só tinha a gente e alguns indianos fazendo um piquenique por perto.

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O parque ocupa uma grande área verde e é ótimo para dar uma escapadinha do caos, barulho e poluição de Agra.

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O interessante é que, pelo que pesquisei, poucos turistas sabem da existência desse lugar e os grupos de excursão não vão até lá.

Encerramos os passeios às 16hs. Ou seja, se o Taj Mahal abrisse naquele dia, teríamos ido em todas as atrações que nos interessavam na cidade. Mas ainda tínhamos outro dia inteiro pela frente em Agra. Sabendo disso, nosso motorista ofereceu de nos levar a Mathura e Vrindavan, duas cidades próximas. Topamos.

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Acordamos às 6 horas da manhã e seguimos para o Taj Mahal, que ficava a uns 600 metros do nosso hotel. Caminhamos por um parque que dava para a entrada oeste do mausoléu e que já estava cheio àquela hora. Tinha muitos indianos por lá, mas poucos turistas estrangeiros porque, além de ser baixa temporada, as excursões só chegariam por volta das 9 horas.

Dispensamos os guias, compramos os ingressos e recebemos duas garrafinhas de água de brinde. O ingresso do Taj dá desconto em outras atrações e por isso vale a pena guardá-lo.

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O Taj Mahal é a atração turística mais visitada da Índia e uma das sete novas maravilhas do mundo moderno. Recebe anualmente milhões de visitantes e foi o lugar onde vimos mais estrangeiros durante nossa estadia no país.

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A obra foi feita entre 1632 e 1653 e contou com 20 mil trabalhadores que ajudaram a erguer o suntuoso monumento de mármore branco que o imperador Shah Jahan mandou construir em memória de sua esposa favorita, Aryumand Banu Begam, a quem chamava de Mumtaz Mahal ("A jóia do palácio"). Ela morreu após dar à luz o 14º filho, tendo o Taj Mahal sido construído sobre seu túmulo.

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Alguns anos depois do término da obra, Shah Jahan adoeceu gravemente e o seu filho Shah Shuja declarou-se imperador em Bengala, enquanto Murad, com o apoio do seu irmão Aurangzeb, fazia o mesmo em Gujarat. Quando Shah Jahan, caído doente no seu leito, se rendeu aos ataques dos seus filhos, Aurangzeb permitiu-lhe continuar a viver exilado no Agra Fort. A lenda conta que ele passou o resto dos seus dias observando pela janela o Taj Mahal e, depois da sua morte em 1666, Aurangzeb sepultou-o no mausoléu lado a lado com a esposa, gerando a única ruptura da perfeita simetria do conjunto*.

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O Taj Mahal é também conhecido como a maior prova de amor do mundo e por isso atrai muitos casais em lua de mel. Sua fachada é incrustada com pedras semi-preciosas e sua cúpula é costurada com fios de ouro. O edifício é flanqueado por duas mesquitas e cercado por quatro minaretes.

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Entramos no mausoléu para visitar as tumbas, mas ficamos pouco tempo por lá. Era proibido fotografar e o interior do Taj não tem nada de espetacular. É bonito, mas não o que se espera quando a gente vê um exterior tão extraordinário.

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Apesar do calor de 40 graus, gostei de visitar o Taj Mahal no verão. Nas fotos que vejo da atração, há sempre muito mais gente do que na época em que o visitamos. As altas temperaturas afastam muitos turistas estrangeiros, mas apesar de ter lido relatos de cariocas dizendo que o calor era absurdamente pior do que o verão do Rio, não foi o que senti. O clima na Índia é mais seco e, consequentemente, a sensação térmica é mais agradável do que os 40 graus carregados de umidade que eu enfrento todos os anos no Rio, rs!

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Depois de curtir o Taj Mahal por um bom tempo e tirar muitas fotos, procuramos um lugar para tomar café da manhã e depois relaxamos um pouco no hotel até a hora marcada com o Mr. Khan. Ao meio dia partimos em direção a Mathura.

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Templo Krishna em Mathura

A primeira (e única) parada na cidade foi para ir num templo Krishna, construído no lugar onde a divindade nasceu. Não era possível entrar com nenhum tipo de bolsa, celular, câmera, nada. Havia um espaço para deixar esses pertences, mas não confiei muito. Essa restrição foi instituída depois de um atque terrorista que aconteceu em 1993. Fiquei meio incomodada de deixar tudo, inclusive meu passaporte, do lado de fora do templo e decidi não entrar, mas o Marcelo fez a visita e gostou do que viu.

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Templo Godvind Dev em Vrindavan

Chegando em Vrindavan, logo havia um guia para nos mostrar o que havia de interessante nos arredores. Dissemos para o nosso motorista que não gostaríamos de guia, mas ele insistiu e disse que não havia maneira de conhecer o lugar sem um acompanhante. Como desconhecíamos o que ver por lá e não havia mapa das atrações, cedemos. O guia se apresentou e pareceu simpático. Perguntamos quanto custava o serviço dele e a resposta foi: “Não se preocupem com isso, vou fazer meu serviço e, se vocês gostarem, me pagam o que quiserem”. Insistimos em estipular um valor e ele repetiu a mesma frase. Foi um convite a problemas futuros, mas na hora não pensamos muito nisso. Conforme eu li em muitos relatos de viajantes solitários pela Índia, por mais preparado que você esteja, em algum momento você vai cair numa armadilha. Não tem jeito! O importante é manter o bom humor, o que não aconteceu comigo nesse espisódio que vou contar daqui a pouco…

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O primeiro lugar que o guia nos mostrou foi o mais interessante do passeio. O belíssimo templo Godvind Dev era também sinistro e obscuro. Os macacos que vivem dentro dele ficam pulando de um lado para o outro e fazendo muito barulho. O visitante precisa tomar cuidado com câmeras, óculos escuros e bonés porque, se algo estiver dando sopa, os macacos pegam. Fiquei com medo deles porque não eram macaquinhos, os bichos eram grandes, fortes e me pareceram agressivos.

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Eu me senti dentro de um filme do Indiana Jones! O ambiente era bizarro, exótico e muito interessante. Os macacos tornavam a experiência ainda mais surreal! Havia brigas entre eles, logo espantadas por "guardadores" do templo, que batiam com um pedaço de madeira no chão ou nas paredes para assustá-los.

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O templo dedicado a Krishna foi construído em 1590 por Raja Man Singh e é inteiramente feito de arenito vermelho.

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Havia macacos por todos os lados!

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Quando o Marcelo estava fazendo uns registros na entrada do templo, essas indianas chegaram de fininho e se posicionaram ao meu lado para sair nas fotos, rs! Então perguntei se podia tirar outra foto só delas e a resposta foi positiva.

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Saindo do templo, o guia nos levou por diversas ruelas da cidade. Havia esgoto correndo a céu aberto nas laterais das ruas, muita sujeira, muito lixo e muitos macacos. Não era nada que não tivéssemos visto em outros lugares na Índia, mas em Vrindavan isso parecia superlativo. De vez em quando, surgia um templo no caminho. Ou alguma coisa pitoresca, estranha e diferente. Pareceu uma prévia do que encontraríamos em Varanasi, o que seria confirmado alguns dias depois. Nosso guia acelerava o passo e falava inglês com tanto sotaque que eu só consegui compreender metade de tudo o que ele contou. Mesmo assim, paramos diversas vezes para registrar alguma coisa interessante. E ele ficava lá na frente nos esperando.

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Chegamos ao Rio Yamuna e em suas margens havia construções lindíssimas que pareciam abandonadas há um bom tempo. Queríamos curtir muito mais o lugar, mas lá estava nosso guia acelerando e nos puxando à frente.

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Construções à beira do Rio Yamuna

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Construções à beira do Rio Yamuna

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Belíssima porta esculpida em madeira

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Então retornamos às ruelas sinistras da cidade para chegar a alguns templos. Um deles abrigava um pátio com troncos de árvores entrelaçados de um jeito bem curioso. O guia explicava tudo, mas infelizmente não conseguíamos entender suas frases com clareza. Só sabíamos que tudo girava em torno de Krishna, que teria passado a infância na cidade.

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Um dica importante que recebemos e que acho legal passar adiante é: leve algumas meias descartáveis na mala. Na Índia, é preciso tirar os sapatos para entrar em templos e outros lugares sagrados e, em alguns deles, como no caso da foto acima, há excrementos de animais espalhados pelo chão. Se você pisar em alguma coisa desagradável nesse “campo minado”, pode querer inutilizar a meia. Sendo assim, a ideia de levar alguns pares velhos nos pareceu boa e foi o que fizemos.

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Em outro templo, onde era proibido fotografar, cerca de duas mil viúvas de aparência bastante humilde se dedicavam a entoar cânticos sagrados. Pelo que consegui entender, elas vivem somente de esmolas e não trabalham, ou melhor, entoam cânticos para sobreviver e recebem dinheiro dos fiéis e turistas que visitam o templo.

Num desses lugares, o guia tentou nos empurrar para uma armadilha semelhante à de Fatehpur Sikri. Ele foi mostrando várias placas de mármore afixadas nas paredes do templo que haviam sido doadas por estrangeiros em homenagem a Krishna. Ele disse que, com essa doação, eles garantiam que seus nomes e os de quem mais estivesse gravado na placa estariam nas orações das duas mil mulheres que entoam cânticos sagrados e que as energias geradas por essas orações trariam bons fluidos.

Nesse momento comecei a perceber que ele iria tentar nos vender alguma coisa… e não deu outra! O guia chamou um cara do templo pra falar com a gente e o Marcelo escreveu o seguinte sobre essa situação:

“E aí veio um cara do templo e começou a nos ‘dar explicações’ sobre as placas. O cara era arrogante pacas. Possivelmente ele sacou que não ia conseguir nada conosco, sei lá. Na hora eu saquei que era armadilha e já comecei a demonstrar desatenção, esperando apenas o momento do ‘não, obrigado’. O mais interessante é que o cara só falava de dinheiro! Que a placa custa 6 mil rúpias, que isso é equivalente a 100 dólares e blablabla. Ele terminou de falar, eu disse meu tradicional ‘não, obrigado’, Katia sacou a tal explicação dela em paralelo (‘nossa religião não permite pagar por coisas para oferecer’). Então o cara falou para assinarmos um tal livro. ‘Não, obrigado’. Insistiu, com a ajuda do nosso guia, dizendo que era apenas para registro. Fui ler e não era. Era tipo um atestado de doação. Falei que não ia assinar. Então pediram uma doação para Krishna. Tá bom. Saquei 10 rúpias e dei. O cara arrogante falou que eu podia ficar com aquilo. ‘Muito obrigado’, eu disse, sorridente. E aí veio o guia me questionar: ‘Isso é o que você dá ao guardador de sapatos; é o que você vai doar para Krishna’?. ‘Sim’. Turismo na Índia envolve muitas escapadas de armadilhas! Com essa, o guia desceu vertiginosamente em nosso conceito. Mas ele não voltou ao tema”.

O cara das explicações foi realmente muito arrogante, o que me surpreendeu porque os indianos eram todos muito simpáticos, incluindo os “malandros”. A doação mínima (na forma da tal placa de mármore) custava 100 dólares! Não me agrada esse tipo de coisa. Em outros templos indianos, vimos caixas para doação e eu acho que essa forma de contribuição espontânea é muito mais simpática e atraente. Ninguém vê o quanto você está doando, não há um valor estipulado e cada um doa o que pode e o que quer.

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Templo Ranganathaji

O complexo de templos que o Marcelo havia mapeado através do guia LONELY PLANET seria a atração seguinte, mas o guia disse que era vetado a estrangeiros. Hoje a gente desconfia que foi uma desculpa para encerrar logo o passeio, já que não caímos na armadilha da placa de mármore e ele já não esperava muita coisa…

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Templo Ranganathaji

Logo a seguir, ele avisou que nosso tour estava encerrado e então começou a clássica historinha do "vocês gostaram dos meus serviços? Eu levei vocês para isso, aquilo e aquilo outro etc." E segue mais um trecho do relato do Marcelo:

“Rapidamente saquei a quantia que era minha referência para o tipo de serviço de guia (até daria uma gorjeta, não fosse a armadilha da placa), disse muito obrigado e entreguei. Ele recusou! Ficou dando uma de ofendido com o valor, falou que aquilo não era nada para o serviço que ele tinha prestado e por aí vai. E aí começou a discutir com a Katia (a Katia reage a essas coisas) e, no fim das contas, ao ver que eu não daria nada além daquilo, ficou com aquela quantia mesmo. Falei para ele que ele deveria ter dado um preço quando perguntei, por duas vezes. Ele respondeu que, se soubesse que daríamos ‘só’ aquilo, não teria nos levado em ‘tantos’ lugares. Repliquei que isso era mais um motivo para ele dar o preço antes. E assim encerramos nossa relação, um tanto litigiosa no fim.

Isso é, naturalmente, um jogo. É baixo para o ‘padrão dólar’? É. Mas é alto, ou justo, para o ‘padrão Índia’. Mas o jogo foi proposto por ele, ao não dar preço. Se tem uma coisa que eu não cedo é a essas tentativas de constranger o turista a abrir a carteira. Eu digo ‘não’ tranquilamente. E cumpro com o que foi acordado previamente”.

Assino embaixo e fiquei super chateada com essa história. Eu deveria ter deixado pra lá, levado na esportiva, mas não consegui. Estava tão sensibilizada com tudo o que eu havia visto, tão aberta a novas experiências, tão livre de preconceitos que fiquei magoada com a falta de humildade do guia. Ele poderia ter dito que achava pouco e ter pedido mais sem olhar para o dinheiro com cara de nojo. E depois ainda começou a ironizar! Conforme mencionei no post sobre Delhi, o papel de “turista gringa bobinha pára-raio da malandragem local que pensa que estrangeiro tem dinheiro sobrando e inventa mil maneiras para tentar tirá-lo de você” foi o que mais me incomodou na Índia. Aliás, foi a única coisa que me incomodou, porque tirei de letra o calor, as buzinas, o caos no trânsito, os ratos, as baratas, a sujeira e a falta de higiene. Não sou nada fresca. Só perdi a paciência mesmo com os picaretas.

Encontramos nosso motorista (que tinha um esquema de comissão com o guia, como de costume) e voltamos para Agra. Ele nos perguntou como havia sido o passeio e relatamos a ele o ocorrido, deixando explícita nossa postura. É claro que ele já sabia da história contada pelo guia, mas a gente queria evitar que ele se comportasse da mesma maneira. Mr. Khan foi correto e não solicitou nada além do valor combinado, porém pediu pra que a gente não dissesse a ninguém que ele havia nos levado nesse tour. Eu só disse “Tudo bem”, mas o Marcelo teve a cara de pau de questioná-lo.

Marcelo: "Mas falar para quem?"
Mr. Khan: "Para o pessoal do hotel, para o meu irmão que vai levar vocês a estação de trem".
Marcelo: “Mas por que motivo?”
Mr. Khan: "É a minha comissão, né?"

Tudo na Índia tem um esquema, gente! Não é a toa que eu não acreditava que o dinheiro que nos pediam para doar ia mesmo para as pessoas pobres e carentes. Uma parte até podia ter esse destino, mas desconfio que a outra ficava no bolso dos “intermediários”.

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Beliches onde passamos a noite no percurso Agra-Kajuraho

No fim da noite fizemos nosso check-out no hotel e seguimos para a estação. Foi lá que vimos o primeiro rato da viagem, com metade do corpo enfiado dentro de um saco de batatas fritas.

Antes de terminar esse post, segue a última malandragem do dia relatada pelo Marcelo:

“Enquanto esperávamos o trem, um garoto de Hong Kong veio conversar conosco. Sobre o trem, sobre a Índia. Gente boa. Estrangeiros facilmente se identificam na Índia. Nisso, tinha um outro garoto, indiano, que parecia ser mudo, ao lado dele. Ficava gesticulando para ele esperar ali, que o trem chegaria ali. Perguntei ao menino de Hong Kong se o cara estava com ele. E ele: "esse cara tá me perseguindo aqui, nem sei quem é!". Ahahahahah, clássica jogadinha”.

Quando encontramos o garoto de Hong Kong no dia seguinte, ele disse que o indiano havia pedido 100 rúpias pela informação.

Outra do Marcelo sobre o trem:

“Enfim, o trem chegou e lá fomos catar nosso vagão. É pra lá, é pra cá? Perguntamos aos locais e eles nos informaram corretamente. Entramos. Tudo escuro, todo mundo dormindo (o trem vinha de outro canto). Enfim, achei nossas camas (ou melhor, assumi que eram aquelas, porque as outras não estavam vagas – não conseguia ver os números no escuro). E tinha uma figura na nossa cama dormindo sentado!! Cutuquei, acordei o cara, falei que era nosso lugar. Estava escuro, não conseguia ver a expressão dele, mas ele levou um tempo até se situar e levantar dali. Quando levanta... é um funcionário do próprio trem!! Ele nos deu lençóis e cobertor”.

Eu achei que as cabines seriam fechadas, mas não são, conforme vocês podem conferir na foto acima. Conforme recomendações, o Marcelo amarrou a mochila dele com cadarço de tênis num canto do beliche, enquanto a minha serviu como travesseiro. Achei que teria uma noite péssima com o trem chacoalhando, mas dormi super bem!

Para finalizar esse post, copio aqui um trecho do texto publicado no blog LOUCOS POR VIAGENS, sobre a picaretagem na Índia:

“A Índia é conhecida por charlatanismos e ciladas, pelos “barracos” e por ser tremendamente agitada. Há inúmeras maneiras de reduzir as chances de pagar a mais ou simplesmente ser enganado, mas não há como evitar tudo, então, o conselho mais importante para qualquer marinheiro de primeira viagem na Índia é sempre permanecer calmo, não importa o quê. Frustrações ocorrem facilmente na Índia, e conseguir controlá-las, respirar fundo e seguir adiante é essencial para aproveitar sua experiência”.

E é isso, pessoal! Pra mim, essa foi a dica mais importante que recebemos. É difícil evitar ser alvo de malandragem, mas a gente pode simplesmente se recusar a fazer papel de bobo, não tendo vergonha de dizer “não, obrigado”.

Apesar desses contratempos, eu amei a Índia e voltaria mais vezes para conhecer outras partes do país.

Um grande beijo pra todos com votos de uma semana especial!!!!

*Fontes:
http://www.viajarpelomundo.com/2013/01/fatehpur-sikri-cidade-abandonada.html
http://www.viaggio-mondo.com/2010/07/fatehpur-sikri-cidade-fantasma.html
http://interata.squarespace.com/jornal-de-viagens/2011/2/16/india-fatehpur-sikri-e-a-era-akbar.html
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/04.037/3403
http://www.viagensacrosstheworld.com/2014/06/fatehpur-sikri-um-cidade-abandonada.html
http://alfredo-moreirinhas.blogspot.com.br/2013/03/india-jaipur-fatehpur-sikri-agra.html
http://www.viaggio-mondo.com/2010/07/agra-fort.html
http://www.dicadadri.com/agra-e-o-grandioso-taj-mahal/
http://asviajantes.com/viagem/agra-a-cidade-do-taj-mahal
http://www.360meridianos.com/2014/07/agra-alem-taj-mahal.html
http://obviousmag.org/archives/2005/08/taj_mahal.html
http://interata.squarespace.com/jornal-de-viagens/2011/1/20/india-agra-alem-do-taj-mahal.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Novas_sete_maravilhas_do_mundo
http://www.mochileiros.com/india-e-nepal-20-dias-t99794.html

Bonfa-ass

8 comentários:

Gabriela Rodrigues disse... [Responder comentário]

Oi Bonfa!

Estou atarefada aqui no trabalho então confesso que pulei direto pro Taj Mahal!! rsrs...Maravilhoso de lindo =)
Volto depois pra ler tudinho...amo os relatos de viagem!! =)

beijos e saudade!
Gábi

Katia Bonfadini disse... [Responder comentário]

@Gabriela RodriguesQue legal, Gabi!!!!!!!! Fico feliz que tenha gostado! O Taj Mahal realmente é lindo e não é à toa que é a atração mais visitada do país! Volta com calma sim, acho que vai gostar das outras atrações também! Um super beijo e ótima semana!

Bell disse... [Responder comentário]

Maravilhoso, sou doida para conhecer.

bjokas =)

Katia Bonfadini disse... [Responder comentário]

@BellA Índia é linda mesmo, Bell! Vale a pena! Um beijão!

Rê Monteiro disse... [Responder comentário]

Nooooossa!!! Li tudo e AMEI!!!
Viajei na sua viagem!!! SHOW!!!!
Beijocas e parabéns pelo blog encantador!

Katia Bonfadini disse... [Responder comentário]

@Rê MonteiroRê, que comentário estimulante! Muito obrigada e fico feliz que tenha gostado do meu relato! Seja muito bem-vinda! Beijão!

Angela disse... [Responder comentário]

Adorei o post!
Estou passeando aqui pelo blog para matar um pouquinho da saudade de vc!
Bj,
Angela

Katia Bonfadini disse... [Responder comentário]

@AngelaAngelita, que saudades! Menina, como é que a gente nunca consegue se encontrar, que absurdo!!!! Temos que dar um jeito nessa situação, rs! Beijocas!

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